Sentei no sofá, evitando contato visual. Não queria parecer ridícula, mas, ao mesmo tempo, não conseguia mais ignorar o problema.
Respirei fundo antes de falar:
— Eu não entendo por que eu faço isso comigo mesma.
Italys manteve o olhar atento, esperando que eu continuasse.
— Eu sei que não deveria comer certas coisas, eu sei que faz mal, eu sei que depois eu vou me sentir culpada. Mas mesmo assim, eu como. E não consigo parar.
Ele fez um leve aceno com a cabeça.
— E como você se sente depois?
Abaixei os olhos.
— Péssima. Como se eu tivesse falhado mais uma vez.
— Falhado em quê?
Mordi os lábios e pensei por um momento antes de responder:
— Em ser alguém disciplinada. Em ter autocontrole. Em fazer o que eu sei que é certo.
Ele respirou fundo antes de perguntar:
— E desde quando você se cobra tanto assim?
Senti um aperto no peito. A pergunta parecia simples, mas alguma coisa nela me atingiu de um jeito estranho.
Me recostei no sofá, ainda processando aquela pergunta.
— Eu acho que sempre fui assim… Mas piorou nos últimos anos. Eu me cobro para tudo. Para comer bem, para ser produtiva, para treinar todos os dias. Mas, ao mesmo tempo, parece que eu mesma estrago tudo.
Ele me olhou com curiosidade.
— O que acontece quando você “estraga tudo”?
Soltei um riso sem humor.
— Aí eu entro no ciclo. Eu me sinto péssima, frustrada, sem controle. E a única coisa que me acalma, adivinha?
Ele sorriu de leve.
— A comida.
Assenti.
— E quando eu como, no momento me sinto bem. Mas depois vem a culpa, e aí eu prometo que vou compensar. Vou treinar mais, vou comer certinho. E então… tudo começa de novo.
Ficamos em silêncio por um momento.
— Você já parou para perceber que esse padrão não é sobre comida?
Minha testa franziu automaticamente.
— Como assim?
— Você se vê como alguém que precisa estar sempre no controle, sempre disciplinada, sempre fazendo o que é “certo”. Mas e se esse padrão de comer mal não for um problema isolado? E se ele for um sintoma de algo maior?
Cruzei os braços.
— Tipo o quê?
— Como você se sentiria se, por um dia, parasse de tentar ser disciplinada?
A pergunta me pegou de surpresa.
Minha reação imediata foi um desconforto enorme.
— Eu sentiria que estou me sabotando.
— Ou talvez… sentiria que está falhando em corresponder a uma expectativa que nem sabe de onde veio.
Engoli seco. Algo naquela frase mexeu comigo.
Cruzei as pernas e olhei para o lado, tentando organizar os pensamentos.
— Você está dizendo que meu problema não é a comida… mas sim essa necessidade de controle?
Ele assentiu.
— Exato. A comida é só a válvula de escape. O problema real é essa ideia de que você sempre precisa fazer tudo da maneira perfeita.
Soltei um suspiro longo.
— E o pior é que eu nem sei por que sou assim.
— Vamos pensar nisso. Quando você era criança, como eram as expectativas sobre você?
Parei por um instante. Uma lembrança surgiu na minha mente, uma cena que eu não revisitava há anos.
— Meus pais… sempre esperavam que eu fosse exemplar. Eu era a filha que tirava boas notas, que fazia tudo direitinho. Nunca dava trabalho.
Ele assentiu, incentivando-me a continuar.
— Eu acho que aprendi que se eu errasse… não era só um erro. Era uma decepção.
Fiquei em silêncio. De repente, algo começou a fazer sentido.
Italys falou com um tom calmo:
— Você aprendeu que precisa ser impecável para ser aceita. Para se sentir suficiente.
Meu peito apertou.
— E comer besteira é o meu erro.
— Mais do que isso. Comer algo “errado” é a única forma que você permite a si mesma de escapar da pressão. Você reprime tanto a necessidade de se permitir falhar, que seu próprio corpo encontra um jeito de fazer isso por você.
Minha respiração ficou mais curta.
— Então… no fundo, é como se eu quisesse falhar?
— Não exatamente. Mas, sem perceber, você criou uma dinâmica onde sua única chance de pausa é quando você “escorrega”. E aí a comida vira o símbolo desse momento.
Fiquei em silêncio. Era como se um peso tivesse acabado de ser colocado nas minhas mãos, mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim começasse a se libertar.
Saí da sessão sem sentir culpa. Pela primeira vez, eu não estava apenas pensando em como “me controlar melhor” ou “ser mais disciplinada”.
Eu estava pensando em por que eu me cobrava tanto.
Não era sobre comida. Nunca foi. Era sobre me permitir errar sem me sentir menos por isso.
Talvez a solução não fosse tentar ter mais força de vontade, mas sim aprender a ser mais gentil comigo mesma.
E eu sabia que esse era apenas o começo.
E você? Já parou para pensar se suas dificuldades com a comida são realmente sobre alimentação… ou se, no fundo, escondem algo muito maior?
Se essa história fez sentido para você, talvez seja hora de olhar para além da comida.