Cheguei no consultório com alguns minutos de antecedência, mas, em vez de esperar na recepção, pedi para entrar logo. Não queria pensar demais e acabar desistindo.
Italys levantou os olhos de algumas anotações quando entrei na sala.
— Pode ficar à vontade — ele disse, fechando o caderno e indicando o sofá.
Sentei devagar, com a postura meio tensa.
— Hoje não sei muito bem o que dizer — confessei.
Ele sorriu de leve.
— Então vamos descobrir juntos.
Olhei para o lado, fixando o olhar na estante cheia de livros.
— Acho que queria falar sobre essa coisa de “ver o lado bom das coisas”.
— O que exatamente sobre isso?
Soltei um suspiro curto.
— Como as pessoas conseguem fazer isso? Como alguém pode passar por uma tragédia e dizer que “aprendeu muito” ou que “foi por um motivo maior”? Pra mim, algumas coisas simplesmente não têm lado bom.
Italys cruzou as pernas e inclinou a cabeça levemente.
— Você sente que, se tentasse ver o lado bom do que aconteceu com você, estaria negando sua dor?
Minha garganta apertou.
Não esperava essa pergunta.
Respirei fundo antes de responder:
— Talvez. Mas acho que não é só isso.
Ele fez um gesto para que eu continuasse.
— É que… tem coisas que são objetivamente ruins. Tragédias, injustiças. As pessoas tentam encontrar um significado nelas, mas isso não apaga o que aconteceu.
— Você acha que buscar um significado é a mesma coisa que apagar o que aconteceu?
Fiquei em silêncio por um instante.
— Talvez não. Mas me incomoda quando alguém tenta me convencer de que tudo tem um propósito.
Ele assentiu.
— Eu entendo. Algumas coisas simplesmente acontecem. Nem tudo tem um propósito, mas tudo tem uma consequência.
Meus olhos se estreitaram levemente.
— Como assim?
Ele se inclinou um pouco para frente.
— Vamos pensar juntos. Como você define algo como bom ou ruim?
— Pelo que acontece, eu acho. Se uma coisa ruim acontece, é ruim.
— Ou pelo que ela gera depois?
Minha testa franziu levemente.
— Você está dizendo que o que aconteceu pode ser ruim, mas o que vem depois pode ser bom?
— Exatamente. O sofrimento em si não é positivo. Mas o que fazemos a partir dele pode ser.
Fiquei quieta.
Ele continuou:
— Se um pai perde um filho para um assassinato e, a partir disso, dedica sua vida ao ódio e à vingança, a tragédia continua gerando dor. Mas e se, em vez disso, ele usasse essa perda para criar uma instituição que ajudasse outras crianças?
Cruzei os braços.
— Ainda assim, a perda do filho foi uma coisa horrível.
— Sim. Mas perceba que o fato não muda. O que muda é o que se faz com ele.
Pisquei algumas vezes.
— Então você está dizendo que encontrar um propósito não significa justificar o que aconteceu?
Ele sorriu.
— Exatamente.
Passei a mão na testa, sentindo minha mente girar.
— Acho que nunca tinha pensado assim.
— Muitas pessoas tentam encontrar um motivo para o que viveram, quando, na verdade, algumas coisas não têm explicação. O que importa é o que fazemos a partir delas.
Minha respiração ficou curta.
— Então… eu não preciso achar algo de bom no que aconteceu?
— Não. Algumas dores não têm justificativa. E está tudo bem admitir isso.
Senti um nó na garganta.
— Mas então por que seguir em frente parece errado?
Ele manteve o olhar firme.
— Talvez porque, inconscientemente, você sinta que seguir em frente significa aceitar o que aconteceu. Como se, ao permitir-se ser feliz de novo, estivesse traindo a sua própria dor.
Minhas mãos apertaram o tecido da minha calça.
— Isso faz sentido…
Quantas vezes eu me prendi ao sofrimento porque, no fundo, eu sentia que deixá-lo ir embora seria o mesmo que dizer que ele não importava?
Quantas vezes me impedi de seguir em frente por medo de parecer que estava “superando rápido demais”?
Fechei os olhos por um instante.
— Nunca pensei que fosse isso.
— Mas agora que pensou, o que quer fazer com essa percepção?
Eu não tinha uma resposta.
Ainda não.
Ao sair da sessão, senti o ar bater no meu rosto de um jeito diferente.
Minha dor não havia desaparecido. Mas, pela primeira vez, entendi que eu não precisava encontrar um significado para ela.
O que importava não era por que aquilo aconteceu comigo.
O que importava era o que eu faria com isso agora.
E essa ideia, de alguma forma, me pareceu libertadora.
Você está tentando encontrar um motivo para sua dor ou está escolhendo o que construir a partir dela?
Se essa história fez sentido para você, talvez seja hora de dar um novo significado à sua própria jornada.